quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O meu pai e o bolo Lucília

O meu pai era muito guloso, mesmo muito, mas é de família.
Até descobrir que tinha diabetes ia, pelo menos duas vezes por dia, à pastelaria Evian beber café e comer um Jesuíta.
Gostava de todos os bolos e doces mas tinha alguns preferidos e o Bolo Lucília era um deles. 
Não é o género de bolo que a minha mãe fizesse, o Bolo Lucília é uma receita da avó Q e das tias desse ramo da família. É um bolo elaborado e rico com vários elementos - uma massa com nozes e amêndoas, um recheio de chocolate entre as duas camadas e uma cobertura de merengue e raspas de chocolate.
É um daqueles bolos com muito boa apresentação e realmente delicioso.



Não restam dúvidas de que o meu pai era um homem de bom gosto com uma grande sensibilidade para a arte e para o belo.
Gostava de teatro, de cinema mas sobretudo de música jazz e blues, clássica erudita e ópera. Lia imenso. Adorava fotografia, chegou a ter uma câmara escura com um pequeno laboratório de revelação e ampliação e várias máquinas fotográficas tipo profissionais. 
Uma atracção e curiosidade enorme pelas novas tecnologias fazia com que comprasse por impulso as últimas utilidades lançadas no mercado e tinha um dom para escolher os mais perfeitos e originais presentes para oferecer a cada pessoa.
Era um sonhador e um idealista.
Por vezes tinha um feitio explosivo de menino mimado e uma teimosia exasperante de quem não gosta de ser posto em causa.



Faleceu mais cedo do que o previsto numa família de grande longevidade, com uma doença degenerativa do foro neurológico menos de um ano após lha terem diagnosticado.

Faz precisamente hoje 4 anos que morreu. 
Deixou um vazio nas nossas vidas, respostas a perguntas que nunca lhe fiz mas que se revelaram na sua ausência, e a saudade de um afecto desajeitado e de um amor intrincado embora incondicional.

Não sendo uma pessoa ambiciosa almejava um futuro grandioso para as suas filhas e acarinhava muitas esperanças com as netas e o neto.
Sou uma pessoa positiva motivada em honrá-lo cumprindo este meu sonho de ser feliz a fazer aquilo que gosto e que também passa por fazer os outros felizes adoçando-lhes a vida.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Tartes e Tarteletes

A minha predileção por doces em forma de tarte é flagrante.

Adoro a base de uma boa tarte, uma massa amanteigada, ligeiramente doce intensificado por uma pitada de sal, crocante que se desfaz na boca. 
Eu prefiro as massas areadas.
A base não é só o recipiente para o recheio.
É o contraste que o realça. 

O mais maravilhoso é a variedade de recheios que se podem fazer.

Cremes frescos e queijos creme combinados com fruta em polpa, em puré ou em doce.

Cremes alimonados perfeitos para tartes merengadas.

Calculo que qualquer doce de colher pode ser utilizado como recheio de uma tartelete. 
Refiro-me também à doçaria tradicional portuguesa tal como doce de ovos simples ou com frutos secos como amêndoas ou nozes. Doces de grão ou feijão como os utilizados em pastéis e azevias, doce de gila com ovos moles... 
Enfim, uma imensa diversidade de opções a explorar.

Uma das mais tradicionais e apreciadas é a tarte de maçã que faço sempre com maçã reineta cuja saborosa acidez contrasta com a massa doce.


Um destes dias resolvi adaptar a minha receita de bolo de requeijão e fazer uma requeijada em base de tarte. Ficou deliciosa.



Na primavera fiz uma série de tarteletes com recheio de creme de limão enriquecido com puré de várias frutas. Ficaram lindas e foram muito apreciadas.


No início do outono também fiz experiências com pêras.
Primeiro com um creme de amêndoa e depois com uma ganache de chocolate.

    


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um estigma e uma catarse

Quando digo que a minha área de formação é gestão e marketing e acrescento, com pudor que agora tenho finalmente disponibilidade para me dedicar à paixão de uma vida inteira, a culinária, o que na verdade estou a dizer é que estou desempregada.

Foi assim aos 48 anos quando os novos donos da empresa onde trabalhei 18 anos, em apenas um ano a descapitalizaram utilizando-a para negócios desastrosos, engenharias financeiras e desviando todos os bens móveis e imóveis ficaram a dever a fornecedores, ao estado e a todos os empregados.
Alegando insolvência não acataram a condenação do Tribunal de Trabalho para pagar os créditos salariais e as indemnizações a todos os trabalhadores e ninguém recebeu nem um cêntimo.
Não sei nem quero saber dessa gente que voltou para o norte. 
Não sei se se safaram ou se caíram em desgraça. Ainda assim sinto uma revolta natural com a impunidade de quem age com má fé e incompetência e sei que nunca hão-de ser empresários bem sucedidos porque não tem inteligência nem integridade para tal.

Como tanta gente, tive de me adaptar a viver com menos, muito menos, no entanto até me considero sortuda porque apesar de a minha vida ter levado uma volta, tenho o apoio e a ajuda da família e boas amizades.
Felizmente as minhas queridas filhas já não dependem de mim e têm trabalho e boas perspectivas profissionais. Nada é garantido mas não vale a pena ter medo do futuro, é o que lhes digo incentivando-as a viverem intensamente.
Mesmo tentando manter uma atitude positiva o tempo passa e parece-me que tenho cada vez menos hipóteses, Sinto-me cada vez mais desenquadrada do sistema.
Quanto a emprego, não tenho ilusões, sou demasiado velha para o mercado de trabalho e  demasiado nova para a reforma. Permaneço no limbo enviando curriculuns sem obter uma resposta, uma entrevista.

No ano passado, tentando transformar a minha situação numa oportunidade decidi fazer um curso de cozinha e optei pelo curso intensivo de Pastelaria na ACPP.
Porque gostando de cozinhar, de explorar sabores com intuição e capacidade de improviso, considerei que me faltava técnica para dominar a alquimia dos doces.
O curso foi muito interessante mas ficou aquém das minhas expectativas, talvez por serem demasiado elevadas...
Ainda sonhei com cursos em prestigiadas escolas de cozinha em Paris ou Barcelona mas tive de me render à evidência de que não estavam ao meu alcance.
Tentei complementar a formação com vários estágios em locais com características diferentes mas acabei por só fazer um onde durante dois meses experienciei uma verdadeira cozinha profissional, observei a organização do espaço e dos processos, o trabalho das brigadas, a importância da equipa por trás do serviço de restauração e catering. É um trabalho árduo, pesado que se sustenta na força da juventude
Se alguma vez pensei que numa cozinha seria mais importante os conhecimentos e a experiência do que a idade enganei-me, é um meio sexista e muito competitivo.

Apesar do número de desempregados ter disparado devido à crise económica/financeira e das políticas implementadas nestes últimos anos, não obstante ser fácil sentirmo-nos vítimas do sistema há várias formas de enfrentar a situação e nenhuma é branda. 
Para mim é um embaraço, é quase uma vergonha perder o estatuto que com deveres nos dá direitos. Um estigma.
Pior do que a tristeza de perder o prestígio da utilidade é não encontrar uma solução.
O tempo passa e o acordar de manhã é demasiadas vezes vazio de objectivos.
Sobra tempo para pensar. Pensar demasiado faz-nos reféns da mente e não se pode menosprezar o poder da mente.
Não sou pessoa de me queixar e defendo-me com uma imagem de positivismo, de pragmatismo muito séptico que talvez não atraia simpatias, que certamente não inspira complacência.
Nem sempre é fácil ser forte e não mostrar as fragilidades.
Só eu conheço os meus demónios.



Atormenta-me olhar o futuro sem perspectivas.
Este projecto de "O doce nunca amargou" não levanta voo também porque não consigo estabelecer um rumo.
Por razões alheias à minha vontade mas cuja responsabilidade consciente é minha, ainda não solidificou as bases, não ganhou estrutura de negócio sustentável.
Alterno entre dias de entusiasmo e de desalento.
Alguma coisa estou a fazer mal e não são os doces que esses são deliciosos.
Além da minha pouca fé na conjuntura, sei demasiado bem como funciona o empreendedorismo neste país e o horror de dificuldades e exigências que sugam uma empresa.
Na verdade admiro quem se aventure nesta ditadura fiscal. Mas vejo, desanimada, quantos caiem e quantos de levantam.
Quando as dúvidas me invadem fantasio com alguém que acredite, que me apoie que me complemente e me ajude a levar avante esta ideia.
Há por aí alguém que se queira associar?

Num sonho muito antigo vejo-me numa quinta com uma bela horta, árvores de fruto e alguns animais de criação. 
Um espaço acolhedor onde recebo os viandantes com a hospitalidade de um povo.
Rústico e despretensioso onde quem chega se sente em casa mas com os benefícios de um hotel de charme em harmonia com a natureza envolvente.
Vejo-me cozinhando com paixão os alimentos frescos e locais, criando refeições sedutoras e equilibradas com um mimo doce para finalizar.
Há por aí algum sítio assim que me queira como anfitriã?